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Dicas culturais para o verão

É engraçado perceber como algumas coisas só fazem sentido quando vivenciamos. Agora que estou no meu segundo ano morando aqui na Europa, entendi um pouco o significado do verão para as pessoas, aquele que vemos nos filmes e seriados. No Brasil, o verão é amado e aguardado por todos, é claro, mas como ele acontece no final do ano, e é misturado com as festas de fim de ano e carnaval, talvez ele perca um pouco do protagonismo. Além disso, faz calor o ano inteiro, o que não acontece por aqui, quando as pessoas ficam contando os dias para chegar o calor. O verão reina sozinho e é super esperado por todos. Festivais, festas, viagens, programações feitas com semanas e meses de antecedência. É uma experiência totalmente diferente do que se vive no Brasil e, por isso, acabei percebendo o sentido das listas de leituras e filmes que diversas pessoas fazem para a estação. Assim, resolvi criar a minha primeira lista de dicas culturais para o verão. 

Antes de começar, quero comentar sobre um fenômeno que percebi. Recentemente, vi o público jovem descobrindo a Kate Bush por conta de sua música na trilha de Stranger Things, o que a levou a voltar ao topo das paradas de sucesso. Ela sempre foi uma cantora muito diferente, com algumas músicas incríveis que vão além de Running Up That Hill, como Wuthering Heights, a versão dela de Rocket Man do Elton John e a minha favorita, This Woman's Work (tanto a versão dela como a do Maxwell - que muitos jovens não devem nem saber quem é). Clique nos links para ver os clips no YouTube. Pensando nesse fenômeno de quantas coisas se perderam no tempo, ou são pouco conhecidas, incorporei alguns itens vintage de filmes e livros para as indicações. Espero que gostem!

5 livros para o verão

Ler romances é uma das coisas que mais gosto de fazer. Nem sempre estou no ritmo de ler diariamente, mas é um hábito que amo e que me ajuda muito. Assim, deixo a dica de 5 livros incríveis para ler. 

O primeiro da lista é o O Primeiro Homem Mau de Miranda July, um livro interessante, engraçado e de uma escritora que eu gosto muito. Leitura leve, divertida e com um ponto de vista criativo e irreverente. 

Miranda July para The Guardian 


Outro livro que gosto muito também é o Não Sou Dessas, da Lena Dunham. Mais conhecida por ser a criadora da série GIRLS, Lena compartilha trechos de sua vida nesta autobiografia, contando casos e histórias com o seu olhar crítico e inteligente. A imagem abaixo é de uma postagem do IG dela, com um texto que é a cara do tipo de texto você vai encontrar no livro:


Postagem do Instagram de Lena Dunham.

Ambas as escritores, Miranda e Lena, apresentam uma visão contemporânea dos desafios que as mulheres enfrentam na sociedade. Complementando esta discussão, o terceiro livro da lista é A Vida Invisível de Euridice Gusmão. Esta história mostra o quanto o machismo estrutural prejudica as mulheres desde sempre. É um livro pesado! Mas intenso, rico e daqueles que você lê em poucos dias. 

Em um tom mais leve, seguimos para O Carrasco do Amor, livro de um dos meus escritores preferidos, o Irvim Yalom. Para quem não conhece, o Yalom é psicanalista, professor e escritor. Em seus livros, ele apresenta os conceitos da psicanálise misturados com filosofia e cria romances super interessantes e ricos de conteúdo como Quando Nietzche Chorou, A Cura de Schopenhauer e Enigma de Espinosa (todos incríveis, super recomendo!). Em O Carrasco do Amor, Yalom apresenta 10 histórias de seu consultório que falam sobre diversas formas, faces, vantagens e desvantagens do amor na vida das pessoas. Livro fácil de ler e com um conteúdo rico que nos leva à reflexão sobre o papel do amor em nossas histórias.

Agora, o quinto título é um soco no estômago. Pesado, mas nunca tão necessário, sobretudo se pensarmos que estamos num ano decisivo de eleições no Brasil (e, se tudo der certo, enxotar este demônio e sua corja de monstros direto da presidência do Brasil para a cadeia). O livro é As Vinhas da Ira de John Steinbeck, obra essencial para o prêmio Nobel dado a Steinbeck. Neste livro, Steinbeck conta como o Capitalismo tirou as famílias americanas dos campos, criando um rastro de pobreza e exploração que forçou a migração das pessoas do interior para qualquer lugar dos Estados Unidos, numa corrida sem rumo e sem fim. É uma obra que explica claramente os efeitos mais horrorosos do Capitalismo. Ele conta a história de uma das centenas de milhares de famílias que tiveram as suas terras tomadas pelo sistema financeiro e que foram exploradas, vivendo uma vida que a cada dia se empobrece e deteriora. Ah, o título se refere à origem da ira nas pessoas: uma exploração e uma violência constante que vai, aos poucos, matando o humano e alimentando a ira. Não vou mentir, o livro tem partes pesadas, chocantes e que ficam na cabeça de quem lê por muito tempo. Mas é uma leitura que prende, com um texto envolvente e muito bem escrito. Indispensável para a formação crítica de qualquer pessoa, independente do espectro político com o qual se identifica. 


© 1940 Twentieth Century-Fox Film Corporation


5 Filmes e Séries

Agora, falando de filmes e séries, começo falando de um dos indicados ao Oscar deste ano e que não foi muito sucesso de público, o japonês Drive My Car que, inclusive, venceu na categoria de Melhor filme estrangeiro. É um filme longo (tem 3h de duração) e lento, mas o roteiro é tão incrível e todo o conjunto tão interessante que é daqueles filmes que você fica pensando dias (no meu caso, semanas) sobre os conceitos discutidos e apresentados no filme. Ele fala sobre perdão, autoconhecimento, luto, expectativas, confiança e trocas entre as pessoas. 

O segundo filme da lista é a versão de cinema do livro A Vida Invisível de Euridice Gusmão e que também se chama A Vida Invisível. Dirigido por Karim Ainouz, um dos meus preferidos, este filme é um dos melhores que ele já realizou. Com um elenco ótimo e um ritmo perfeito, o filme escancara o peso que o machismo estrutural tem na vida das mulheres. Denso e forte, sem rodeios. Filme imperdível!  

A primeira série da lista é muito divertida e inteligente. Ela tem só duas temporadas, e não vejo a hora de lançarem a próxima. Tudo indica que a terceira temporada vem neste verão! Fleabag é uma delícia de série para assistir, com um humor inteligente, rápido e muito criativo. Já assisti as duas temporadas três vezes (é fácil, os capítulos são curtos e rápidos). Por isso não vejo a hora de chegar a terceira! 

A seguir, falamos de uma série de uma só temporada (acho que se classifica como mini-série) e que é muito, mas muito incrível: I May Destroy You da HBO. Ela fala sobre uma escritora que, no meio de uma rotina de stress e crise criativa, se recorda do abuso sexual que sofreu. É uma série intensa e com um roteiro fantástico. Michaela Coel, produtora, diretora e atriz principal é simplesmente um arraso e entregou uma obra imperdível! 

A última indicação  da lista deste verão é um filme feito há algum tempo, em 1998, e que, assim como a Kate Bush, ficou escondido nas cortinas do tempo. Deuses e Monstros (Gods and Monsters) conta a história do fim de vida do criador do filme Frankestein e discute sobre envelhecimento, esquecimento e depressão. O roteiro tem um texto incrível e a atuação de Ian McKellen é uma das melhores que vi em toda a minha vida. Ele está disponível no YouTube e vale muito a pena conhecer (ou revisitar) este clássico:

Bom, é isso! Espero que curtam estas dicas culturais para o verão. Ah, aos poucos, o blog volta ao ar. Quem puder, segue aí e compartilhe! Abraços e bom verão! 


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